'Meu estuprador acreditava que atacar uma pessoa albina o protegeria de doenças'

Regina Mary Ndlodvu faz campanha para que haja maior compreensão sobre o albinismo.
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© Paul Mahlasela
Regina Mary Nlodvu conta que brincava no jardim em frente a sua casa quando foi abusada sexualmente pela primeira vez, por um homem em quem confiava.

“Ele me ofereceu doces e me pediu para sentar no colo dele”, lembra. “E quando fiz isso, ele colocou a mão dentro do meu vestido e abusou de mim.”

Regina diz que essa foi a primeira vez que sofreu abuso sexual, mas não a última.

E relata que o mesmo homem retornou à sua casa em Ennerdale, na África do Sul, sob o pretexto de visitar seus pais, e a estuprou e agrediu sexualmente muitas outras vezes nos anos seguintes.

Ele não foi o único, ela disse à BBC. Regina diz que foi alvo de outros ataques – sexuais e não sexuais – ao longo dos anos.

A jovem de 34 anos diz que foi escolhida como alvo pelo agressor por ter nascido com albinismo, uma doença hereditária que afeta a produção de melanina, o pigmento que dá cor à pele.

Isso porque ele tinha a falsa crença de que estuprá-la o impediria de adoecer, explica Regina.

Esse é um dos muitos mitos perigosos que cercam o albinismo.

Agora, depois de anos lutando contra a depressão, a atriz sul-africana nascida na Zâmbia defende uma melhor compreensão das pessoas que vivem com a doença.

Apesar de só ter aprendido a ler e escrever há 10 anos, aos 24, ela já escreveu e protagonizou sua própria peça sobre o albinismo e a própria vida.

Mãe recente, ela quer garantir que outras pessoas não passem pelo que passou, combatendo os mitos que cercam a doença.

Algumas pessoas acreditam que a mecha de cabelo branco de um albino pode trazer boa sorte e riqueza, enquanto outros acreditam em equívocos mais perigosos – como o de que fazer sexo com uma pessoa com albinismo pode curar o HIV.

Desde o surto de covid-19, também surgiram falsos rumores de que também poderia oferecer cura para o coronavírus.

Sabe-se que pessoas com albinismo foram sequestradas e mortas por causa da crença equivocada de que partes de seus corpos possuem poderes mágicos.

© Handout - Regina diz que só conheceu os mitos que cercam o albinismo mais velha, mas que sempre sentiu ser diferente.

“Quando eu tinha cinco anos, todos os dias um grupo de crianças se reunia no portão, ao final do nosso jardim”, lembra ela.

Quando Regina se aproximava deles, pensando que queriam brincar, eles fugiam.

Ela pensou que era parte de uma brincadeira, até que um dia uma mulher entrou no quintal com a filha.

“A menina olhou para mim e começou a chorar”, conta. “Ela pensou que eu era um monstro e isso realmente me chateou.”

Regina também notou que seus colegas de escola cuspiam dentro de suas camisetas quando ela passava.

Mais tarde, descobriu que o gesto era supersticioso: eles pensavam que a atitude os protegeria contra a crença na maldição de ter um filho albino.

Regina teve dificuldades de acompanhar a escola devido a sua condição. Era difícil ver o quadro-negro com a visão reduzida (uma característica comum no albinismo) e ela só consegue enxergar a curta distância.

Quando ela reclamou, a professora disse que “nenhum arranjo especial” seria feito para ela.

Regina deixou a escola sem saber ler e escrever, o que significa que não conseguiu encontrar trabalho. Em 2013, no entanto, ela descobriu um audiolivro da Bíblia, que transformou sua vida.

“Eu costumava congelar quando via livros – eles me faziam sentir idiota e todo o meu mundo parava”, explica ela.

“Mas comecei a ouvir audiolivros e percebi que existe uma bela conexão entre sons e palavras - e o mundo se abriu para mim.”

Ela foi apresentada à atuação e, com a ajuda da organização The Young African Leaders Initiative, conseguiu escrever e interpretar sua peça solo chamada “Mary, My voice”.

“Quando eu era mais nova, não havia absolutamente nenhuma representação de pessoas albinas na tela”, diz ela. "Eu quero mudar isso".

Uma pessoa que esteve na plateia do espetáculo de Regina, inspirada pela peça, pagou para que ela recebesse a ajuda de um professor particular para começar a aprender o básico da leitura e da escrita.

“Ainda acho difícil ler e escrever, mas a questão é que não tenho tanto medo disso como antes”, explica ela.

Regina espera um dia poder ajudar nos deveres escolares de sua filha.

Por enquanto, porém, ela ainda está na névoa difusa da maternidade recente - aliviada depois de uma gravidez difícil.

“Olha para ela, olha como ela é linda”, diz, enquanto balbucia para seu bebê recém-nascido, uma menina chamada Bohlale Sabelo Isabel.

Bohlale não nasceu com albinismo, mas Regina diz que, se tivesse nascido, “teria ficado feliz”.

“É algo que aprendi a amar”, diz ela. “Ela é meu mundo todo e espero dar a ela as oportunidades que nunca tive.”

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